Há nove semanas, o presidente Donald Trump vem testando a força de sua retórica, repetindo obsessivamente que a eleição foi fraudada e encorajando seus partidários a resistirem ao fato consumado — a derrota para Joe Biden. A resposta a seus apelos por patriotismo veio na forma de um ataque inédito ao Capitólio, símbolo da democracia americana, na sessão que confirmaria Biden como o futuro presidente americano.
Há vários responsáveis pelas cenas de horror e desordem protagonizadas pela turba enfurecida, mas o principal se encontra na Casa Branca, desfrutando de seus últimos dias no comando dos EUA, empenhado em atender a seu projeto pessoal: convencer seus apoiadores de que, não fosse a roubalheira, ele seria reeleito.
Apoiadores de Trump invadem Congresso dos EUA; FOTOS
O presidente que se vangloria como o executor da lei e ordem induziu a anarquia, que ele tanto execrou no ano passado, durante os protestos antiracistas nos EUA. Enquanto a multidão invadia o prédio, destruía gabinetes e profanava o plenário do Senado, Trump mantinha-se em silêncio. O caos reinava há mais de uma hora, a sessão do Congresso foi suspensa, e o vice-presidente Mike Pence, retirado às pressas do plenário e xingado de traidor pelos correligionários do presidente.
Congressistas precisaram se esconder debaixo de mesas e usar máscaras contra os disparos de gás lacrimogêneo. Só então, o presidente se dirigiu aos manifestantes, pelo Twitter, para pedir calma. Não exigiu, porém, que abandonassem o prédio.
Mais cedo, Trump discursou num protesto convocado por ele para “salvar a América” e repetiu a sua ladainha de sempre, sem apresentar provas. Chegou até a orientar a multidão a ir para casa. Mas, como observou Biden, as palavras de um presidente importam; na pior das hipóteses, podem incitar.
A conturbada sessão programada para contar os votos do Colégio Eleitoral esbarrou na objeção de um grupo de congressistas ao resultado do Arizona. Articulador da insurreição republicana, o senador Ted Cruz argumentou que 39% dos americanos acreditam que a eleição foi fraudada, sem mencionar, contudo, que a crença emana da retórica incendiária do próprio presidente.
A violência dos protestos foi prevista e anunciada, mas os apoiadores de Trump encontraram uma polícia despreparada e não tiveram dificuldades para invadir o Capitólio. Os americanos assistiram a cenas deprimentes que remetiam às que vêm de países marcados pela fragilidade de suas instituições. Nesta quarta-feira, a maior potência do planeta se igualou a eles, graças aos desvarios perpetrados por seu mandatário.