O presidente Jair Bolsonaro apagou de seu perfil no Twitter a publicação que mostrava duas pessoas praticando o chamado “golden shower” no carnaval.
A exclusão do controverso tuíte, 16 dias após a publicação na conta oficial do presidente, acontece um dia depois de a BBC News Brasil revelar que os advogados da dupla retratada nas imagens ingressaram com pedido de um mandado de segurança ao Supremo Tribunal Federal (STF) exigindo que a postagem fosse excluída da conta de Bolsonaro.
O pedido foi protocolado nesta terça-feira. Na quarta (20/3), o ministro Marco Aurélio Mello foi escolhido como relator do caso.
Procurada, a Advocacia-Geral da União informou que a Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República) seria a responsável pelo caso. A BBC News Brasil entrou em contato com a Secom, que limitou-se a dizer, em nota, que “a Presidência da República informa que não vai comentar o assunto”.
A reportagem também entrou em contato com os advogados da dupla do “golden shower”.
Em nota, os advogados Flavo Grossi e Cynthia Almeida Rosa disseram que tomaram conhecimento da exclusão “aparentemente voluntária do tuite”.
“Em que pese a atitude republicana do mandatário da nação, consideramos que, processual e tecnicamente, ainda há questões jurídicas a serem enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal”, dizem os defensores, sem dar detalhes sobre o processo, que corre em segredo de justiça.
“É preciso destacar que a atitude do Presidente é uma grande vitória para os artistas, para a democracia e para o pleno respeito e fruição dos direitos fundamentais, que são inalienáveis, irrenunciáveis e invioláveis, inclusive por ações do Presidente da República”, prosseguem os advogados.
Argumentação
Até hoje, a Justiça brasileira nunca determinou a nenhum presidente da República que apagasse postagens feitas em redes sociais.
O pedido explora uma área ainda nebulosa e pouco discutida da legislação, ao abordar no STF os limites da atuação do chefe de Estado em suas redes sociais.
A peça, à qual a BBC News Brasil teve acesso, aponta que o presidente teria extrapolado suas funções como chefe de Estado ao expor as pessoas que aparecem no vídeo, colocando-as em risco e desrespeitando direitos garantidos na Constituição, como respeito à imagem, à honra e à livre expressão artística.
No texto, os advogados argumentam que um presidente “criticar um Senador da República porque este tem uma determinada visão da política econômica é uma coisa, criticar um artista de enorme exposição midiática é outra, a qual é bem diferente de criticar um cidadão comum”.
A dupla retratada nas imagens, segundo seus representantes legais, “não tem poder político, econômico ou imagético para fazer frente à poderosa máquina de comunicação em torno do Presidente da República”.
Ainda segundo o texto, eles teriam sido obrigados a abandonar suas casas em São Paulo e buscar abrigo em outro Estado após serem “vítimas de retaliações desproporcionais e absurdas nas ruas de São Paulo e nas redes sociais”.
Relembre o caso
Postado pelo presidente da República no Twitter em 5 de março, o vídeo que mostrava duas pessoas dançando em cima de um ponto de táxi durante a passagem de um bloco de Carnaval em São Paulo.
Nas imagens, elas praticam atos obscenos, incluindo uma cena em que um urina no outro – prática fetichista conhecida como “golden shower”.
Junto às imagens, Bolsonaro escreveu: “Não me sinto confortável em mostrar, mas temos que expor a verdade para a população ter conhecimento e sempre tomar suas prioridades. É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro. Comentem e tirem suas conslusões (sic)”.
O presidente tem, atualmente, quase 3,8 milhões de seguidores apenas no Twitter. Horas antes de ser apagado, o tuíte de Bolsonaro havia sido compartilhado 13,4 mil vezes, comentado por 65 mil perfis e curtido por 87 mil pessoas na rede social.
As imagens também foram replicadas em portais e outras redes sociais como o YouTube e o Facebook.
A publicação do vídeo gerou controvérsia imediata, com milhares de pessoas criticando o que consideraram “falta de decoro”, postagem de imagens escatológicas que não representam o Carnaval e uma tentativa de desviar a atenção dos protestos de foliões contra o presidente nos blocos de rua.
Apoiadores do presidente, por sua vez, defenderam o uso do vídeo para fazer o que consideram uma denúncia. Para a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), por exemplo, o vídeo teria exposto a hipocrisia de parte da esquerda.
“Essa esquerda que mostra bundas e peitos nas ruas, que usa símbolos religiosos pra cometer atos profanos em praça pública, que apoia exposições com adultos pelados para crianças tocarem, agora está ‘chocada’ com o vídeo compartilhado pelo presidente”, escreveu a política, atual líder do governo no Congresso.
Em meio ao debate, o presidente tuitou novamente, fazendo uma pergunta: “O que é golden shower?”. A referência foi ao termo em inglês que define um fetiche sexual que envolve a prática de urinar sobre o parceiro.