O ministro Celso de Mello, decano do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou reconhecer a “evidente inércia” e “clara omissão normativa” do Congresso Nacional ao ter deixado de legislar sobre a criminalização da homofobia e da transfobia. O decano é relator de um dos dois processos que discutem o tema na corte e que estão em julgamento.
O objetivo dos processos é que o Supremo reconheça a obrigatoriedade constitucional de tornar crime a discriminação contra pessoas LGBT. Os autores são o PPS e a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais), que acionaram a corte em 2012 e 2013.
Eles pedem para o STF: 1) fixar um prazo para o Congresso legislar e 2) criar um entendimento temporário de que a homofobia é análoga ao crime de racismo e está sujeita às mesmas penas. Esses pedidos deverão ser alvo de discussão na semana que vem.
Celso de Mello considerou “inacolhível” a alegação do Senado de que a existência de projeto de lei em tramitação demonstraria que os parlamentares não estão omissos. O ministro destacou que um projeto que previa a criminalização da homofobia tramitou no Senado por duas legislaturas e, sem ser apreciado, chegou a ser arquivado.
O decano também disse que o tempo transcorrido é considerável: 30 anos desde a Constituição e 18 anos desde que o primeiro projeto desse tipo chegou ao Congresso. “Mediante inércia o poder público também desrespeita a Constituição”, afirmou.
O principal trecho da Constituição desrespeitado, segundo Mello, é o inciso 41 do artigo quinto, que diz que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. “Nada mais nocivo, nada mais ilegítimo do que elaborar uma Constituição sem a vontade de fazê-la cumprir integralmente, ou então com intuito de apenas executá-la com o propósito subalterno de torná-la aplicável somente nos pontos que se mostrarem convenientes aos desígnios de governantes ou de grupos majoritários”, afirmou o decano.
Antes de chegar a esse ponto, porém, Mello disse que não cabe ao Supremo legislar, principalmente em matéria penal. “Entendo que se revela impossível ao Supremo Tribunal Federal, mediante provimento jurisdicional, tipificar ele próprio delitos e cominar sanções de direito penal”, observou.
A solução para esse impasse, segundo ele, será discutida em seu voto na próxima quarta. Mello iniciou a leitura de seu voto afirmando ter um posicionamento de defesa das minorias.
O ministro criticou chavões que considera heteronormativos e incompatíveis com o pluralismo de uma sociedade democrática, como o de que “meninos vestem azul e meninas vestem rosa” -frase dita recentemente pela ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos).
“Em razão do voto que vou proferir, serei inevitavelmente incluído no índex mantido pelos cultores da intolerância, cujas mentes sombrias rejeitam o pensamento crítico […], desconhecem a importância do convívio harmonioso e respeitoso de ideias antagônicas”, declarou.
Mas, muito mais importante do que atitudes preconceituosas e discriminatórias tão lesivas e atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais de qualquer pessoa […] é a função contramajoritária do Supremo Tribunal Federal, a quem incumbe fazer prevalecer, no exercício irrenunciável da jurisdição, a autoridade e supremacia da Constituição e das leis da República.”
Segundo o decano, a inércia das autoridades tem exposto homossexuais e transexuais a “graves ofensas perpetradas contra seus direitos fundamentais, inclusive mediante cometimentos de estupros corretivos e estudos corretivos”.
“A visão de mundo fundada na ideia artificialmente construída de que as diferenças biológicas devem determinar papéis sociais -‘meninos vestem azul e meninas vestem rosa’-, essa visão de mundo impõe aos integrantes da comunidade LGBT inaceitável restrição a suas liberdades fundamentais, submetendo tais pessoas a padrão heteronormativo incompatível com a diversidade e o pluralismo que caracterizam uma sociedade democrática”, afirmou.
Depois de Celso de Mello e Fachin, faltarão os votos de nove ministros. O julgamento tem gerado reação de parlamentares. Na terça (12), véspera do início do julgamento, 22 parlamentares da bancada evangélica estiveram no gabinete do presidente do STF, Dias Toffoli, para pedir a retirada da pauta.
Eles dizem ver na iniciativa do Supremo um “ativismo judicial”. Em seu voto, o decano criticou, de modo genérico, fundamentalismos religiosos que criam versões tóxicas de masculinidade e feminilidade que acabam gerando agressões contra pessoas que se distanciam desses padrões. Com informações da Folhapress.