À medida que a noite da eleição americana se transforma na manhã seguinte, ainda há muito mais coisas que não sabemos sobre a corrida que definirá o próximo presidente dos Estados Unidos – e sobre qual partido controlará o Senado.
Para uma eleição que atraiu mais interesse dos eleitores do que qualquer outra em tempos recentes, os primeiros resultados foram notavelmente previsíveis. O presidente Donald Trump garantiu vitórias em estados republicanos tradicionais. O ex-vice-presidente Joe Biden fez o mesmo em estados democratas confiáveis.
A normalidade do mapa – pelo menos até o amanhecer da quarta-feira – durante um dos períodos prolongados mais atípicos da história política americana criou uma espécie de vazio de notícias nas primeiras horas da contagem dos votos.
O Twitter correu para preencher essa lacuna, com democratas nervosos compartilhando descontroladamente a notícia de que os mercados de apostas haviam mudado para Trump e os republicanos insistindo que estávamos olhando para uma repetição das eleições de 2016, quando Trump reverteu as expectativas das pesquisas eleitorais e conseguiu mais delegados eleitorais que Hillary Clinton.
A verdade é que, apesar de já estarmos no dia seguinte à votação, a disputa pela presidência e a batalha pela maioria no Senado seguem prematuras.
Sem respostas definitivas, sugiro alguns lugares para onde devemos manter nossos olhos nas próximas 24 ou 48 horas.
1 – O “cinturão de ferrugem” importa novamente
Desde o início da campanha de Biden pela indicação democrata, ele tinha um argumento simples para os membros de seu partido: se conseguirmos reconquistar Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, reconquistaremos a Casa Branca. São estados do “cinturão da ferrugem” (“rust belt”), estados que sofreram com o declínio industrial recente.
E Biden afirmava ser o melhor candidato do partido para mudar os votos nesses lugares.
No dia seguinte ao das eleições, a promessa inicial de Biden será submetida ao teste final. Ainda não está claro se Biden precisará varrer Wisconsin, Pensilvânia e Michigan ou ganhar dois dos três (ou um dos três) para obter 270 votos eleitorais. Mas há pouca dúvida neste ponto de que o destino dele (e de Trump) depende dos resultados nesse trio de estados.
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2 – O jogo da percepção
Quando a maioria dos americanos a desligar suas TVs, durante a madrugada, Biden liderava na contagem de votos eleitorais, mas Trump estava à frente em vários estados importantes, favorecido pelo fato de vários deles contarem os votos de 3 de novembro antes de de adicionar os votos dados antes – por correio ou pessoalmente.
Como esses sinais conflitantes influenciam a maneira como as pessoas falam e pensam sobre a corrida até quarta-feira (e depois)?
Se o passado é prólogo, estar à frente – mesmo por um único voto tem um grande impacto na percepção pública de quem tem probabilidade de vencer. Lembremos que, em 2000, a campanha de Al Gore estava sempre lutando contra a percepção de que ele estava perdendo a corrida durante a recontagem da Flórida porque George W. Bush estava à frente.
Então, as pessoas se agarrarão à provável liderança eleitoral de Biden quando se levantam na manhã de quarta-feira? Ou eles olharão para o potencial de vitória de Trump nos estados que ainda não finalizaram contagens?
3 – As acusações de Trump
O feed do Twitter do presidente – sempre a melhor janela para o que ele está pensando – foi relativamente silencioso durante a noite de terça-feira, mesmo enquanto Biden estava se dirigindo a apoiadores em Delaware logo após a meia-noite.
Pouco depois, Trump tuitou: “Estamos grandes, mas os democratas estão tentando roubar a eleição. Nunca vamos permitir que eles façam isso. Os votos não podem ser lançados depois que as pesquisas forem fechadas!”
A desconfiança sobre os votos no correio foi mencionada por Trump durante toda a campanha.
Por causa dos temores em torno da Covid-19, a forma como os Estados Unidos votaram nesta eleição foi simplesmente diferente, com um grande número (mais de 100 milhões) de votos antes do dia da eleição.
Essa mudança radical significa que a contagem de votos é mais lenta do que nas eleições anteriores. Mas isso é evidência de que o sistema está funcionando, não falhando.
Claro, Trump é capaz de convencer seus apoiadores de qualquer coisa – que se danem os fatos – e parece estar inteiramente comprometido em fazer esse falso argumento, mesmo quando os votos legalmente lançados são contados.
Biden, por sua vez, disse em um tuíte: “nós nos sentimos bem com a situação em que estamos. Acreditamos que estamos no caminho certo para vencer esta eleição”.
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4 – Quem terá maioria no Senado?
Nada, como observei acima, está perto do fim ainda. Mas os republicanos do Senado se sentem muito melhor sobre suas chances de ter a maioria no Congresso ao acordar nesta quarta-feira do que na terça. Por quê?
Porque, como na corrida presidencial, as coisas geralmente correram como o esperado até agora. Sim, o senador Cory Gardner (Colorado), o republicano mais ameaçado, perdeu. Mas o mesmo fez o senador Doug Jones (Alabama), o candidato democrata mais vulnerável.
O que deixou a matemática exatamente onde começamos no início da noite: os democratas precisam de três cadeiras para a maioria (se Biden ganhar) ou quatro cadeiras (se ele não vencer).
Carolina do Norte, Maine, Geórgia e Arizona decidirão qual lado terá a maioria em janeiro.
5 – As ações judiciais
Lembre-se de que, no fim de semana, Trump já havia antecipado o que faria sobre a contagem de votos na Pensilvânia – onde já se sabia que deveriam seguir contando cédulas por correio por vários dias após a terça-feira.
“Não sei se isso (a forma de contagem na Pensilvânia) vai ser alterado, porque, assim que a eleição acabar, vamos entrar com nossos advogados”, já havia dito Trump.
O que ele e sua equipe jurídica farão – na Pensilvânia e em outros estados que continuarão a contar os votos até quarta-feira e talvez até quinta-feira – é uma incógnita.
Mas Trump há muito usa o litígio (ou a ameaça de litígio) com o intuito de intimidar as pessoas para que lhe deem o que ele deseja.
Porém, claro, isso não será tão fácil em um cenário em que a presidência está em jogo. Biden e sua equipe jurídica irão resistir fortemente a qualquer tentativa de impedir a contagem de votos ou invalidar as cédulas.
E então, como quase tudo, a ques~tao vai cair para advogados e juízes. Mais ou menos como o que aconteceu na corrida presidencial de 2000. Naquela disputa, a equipe jurídica de Bush foi amplamente considerada como vencedora da luta jurídica, o que permitiu ao então governador do Texas vencer a luta política (e a presidência).
Quem a história julgará como tendo vencido a luta legal que se aproxima nesta eleição?
Por Chris Cillizza, da CNN