O procurador-geral da República (PGR) brasileiro, Augusto Aras, pediu na sexta-feira ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de um inquérito para apurar as acusações feitas pelo ministro demissionário da Justiça, Sergio Moro, contra o Presidente, Jair Bolsonaro.O pedido entregue ao STF aponta a eventual ocorrência dos crimes de “falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, denúncia caluniosa e crime contra a honra”.
No documento, Augusto Aras afirma que, caso as declarações de Moro não se comprovem, poderá caracterizar-se o crime de denúncia caluniosa.
No pedido, o PGR sugere ao STF que, antes de deliberar sobre a abertura do inquérito, recolha o depoimento de Moro, para que ele preste formalmente esclarecimentos sobre os possíveis crimes envolvidos na conduta do chefe de Estado, e possa apresentar provas dessas interferências.
Em causa estão as declarações feitas na manhã de sexta-feira por Sergio Moro, que acusou o Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, de estar a fazer “interferência política na Polícia Federal”, na sequência da demissão do ex-chefe da Polícia Federal do país Maurício Leite Valeixo, publicada em Diário Oficial da União.
Moro, que junto com as acusações apresentou a sua demissão, afirmou que Bolsonaro exonerou a liderança da Polícia Federal porque pretende ter acesso às investigações judiciais, algumas das quais envolvem os seus filhos ou aliados.
“O Presidente disse-me, mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contacto pessoal dele [para quem] ele pudesse ligar, [de quem] ele pudesse colher informações, [com quem] ele pudesse colher relatórios de inteligência. Seja o diretor [da Polícia Federal], seja um superintendente”, declarou Sergio Moro.
O ex-juiz declarou que o Presidente brasileiro lhe disse pessoalmente que queria mudar o chefe geral da Polícia Federal porque estava preocupado com investigações em curso no STF, que podem envolver os seus filhos ou aliados políticos, e queria ter acesso a relatórios sigilosos sobre investigações.
“Realmente não é o papel da Polícia Federal prestar este tipo de informação. A investigação tem de ser preservada. Imagine se durante a própria Lava Jato a ex-presidente Dilma [Rousseff] ou o ex-presidente Luiz [Inácio Lula da Silva] ligassem para o superintendente [da Polícia Federal] em Curitiba para colher informações sobre as investigações em andamento”, disse o ministro, que coordenou a operação judicial Lava Jato que visou vários políticos, entre os quais aqueles antigos chefes de Estado.
Horas depois da demissão de Sergio Moro, Bolsonaro fez uma declaração, negando as acusações do ex-juiz, acrescentando que Moro condicionou a exoneração de Maurício Valeixo à sua nomeação para juiz do STF.
Bolsonaro admitiu, contudo, que, em pelo menos três ocasiões, procurou obter mais informações acerca de investigações em curso: acerca do atentado que sofreu em 2018, sobre o caso que envolvia a presença dos acusados de matar a vereadora Marielle no seu condomínio e sobre uma eventual relação do quarto filho de Bolsonaro com a filha de um dos acusados do assassinato da vereadora.
Moro, ex-juiz da Lava Jato, maior operação contra a corrupção no Brasil, foi um dos principais membros do Governo brasileiro e mantinha uma popularidade maior do que a do próprio chefe de Estado, com quem entrou em conflito algumas vezes, incluindo numa tentativa anterior de exoneração de Valeixo, em agosto do ano passado.