(FOLHAPRESS) – Um novo obstáculo paira sobre as mulheres que vêm rolando a pedra ladeira acima para equiparar seus direitos e condições aos dos homens, sob pena de atropelá-las. Das oito áreas profissionais que mais crescem no mundo, seis contratam mais homens do que mulheres.
O quadro se agrava se consideradas apenas as carreiras relacionadas à tecnologia pura, cuja remuneração e demanda tendem a aumentar mais rápido que as demais, mas nas quais as mulheres são, em média, só 20% dos profissionais.
E, se nada for feito para interromper o curso, a tendência é que tal abismo de gênero se alargue, como ocorre há pelo menos 15 anos, mostra levantamento do LinkedIn.
“Olhando para os empregos emergentes –os que serão os mais qualificados no futuro, com maiores salários, que darão maior controle na carreira– sabemos que, a menos que façamos algo para mudar, eles serão predominantemente ocupados por homens”, alerta Allen Blue.
Blue tem observado a tendência há anos como vice-presidente para gerenciamento de produtos do LinkedIn, que ajudou a fundar em 2002.
A plataforma elabora relatórios a respeito do futuro do trabalho para o Fórum Econômico Mundial desde 2016, e desde então Blue têm visto a disparidade de gênero emergir como um problema que requer rápida resolução.
“Engraçado que em 2016 falávamos de robôs, de um futuro sem trabalho, e desde então o ponto de vista do fórum veio mudando e se tornando mais pragmático”, disse ele em entrevista à reportagem durante o encontro anual da entidade em Davos no fim de janeiro. Segundo o fórum, a total paridade gênero no mundo demorará ao menos 99,5 anos.
Com 675 milhões de usuários, o LinkedIn se tornou fonte de dados importante para mapear tendências de contratação pelo mundo. “Essas vagas abertas nos permitem observar quais as profissões com maior demanda e quais novos tipos de cargos surgem.”
Embora haja variações entre países e regiões, aponta, todas assistem ao rápido crescimento da demanda por profissionais capacitados em tecnologia ou para atuar nas profissões surgidas a partir dela.
Quem, afinal, há 30 anos diria que “gestor de mídias sociais” seria a carreira em que as vagas mais aumentam no Brasil, com avanço médio anual no país de 122% de 2015 a 2019?
Há variação, também, em relação às habilidades requisitadas, que vão de qualificações específicas ligadas à tecnologia pura (como no campo da inteligência artificial, por exemplo) a habilidades de relacionamento humano, como em apoio ao cliente.
“Mas os profissionais mais cobiçados ainda estão em carreiras tecnológicas puras. E se você olhar o top 10 onde quer que seja, ele vai ser dominado por engenheiros, cientistas de dados e outros profissionais do tipo”, diz. No Brasil, das 15 carreiras mapeadas como emergentes pela plataforma, 11 são ligadas à tecnologia da informação.
O problema, aponta Blue, é que é exatamente nessas carreiras com alta demanda e remuneração em crescimento que as mulheres estão mais subrepresentadas. O exemplo mais extremo levantado pelo LinkedIn é o da área de computação em nuvem, na qual as mulheres são apenas 14% no mundo –e 5% no Brasil.
Blue levanta hipóteses do que alimenta essa lacuna, não examinadas no estudo. A primeira, diz, é o gargalo na etapa de formação.
“Veja os formandos em ciências da computação, entre os quais as mulheres são 20%, enquanto em outras ciências duras, como a física, estamos próximos da paridade de gêneros em mestrados e doutorados”, diz. “Simplesmente não há mulheres suficientes estudando computação.”
Entra aí o segundo problema: faltam modelos que inspirem as mulheres a trilhar esse caminho. “Teremos que criar um sistema que incentive as mulheres a estudarem essas coisas, e para isso precisamos poder ver mulheres em posições de liderança”, diz.
“Também achamos que as empresas têm que firmar um compromisso com a paridade de gênero, um compromisso público, porque se não esses modelos não aparecerão.”
E aí surge o terceiro problema, que está nas redes de relacionamento excessivamente homogêneas –um departamento 100% masculino em que a rede de contatos profissionais dos funcionários seja majoritariamente de homens tende a contratar… homens.
Isso fica evidente na pesquisa quando se vê que a subrepresentação persiste mesmo quando há profissionais mulheres capacitadas para as vagas (o caso da ciência de dados, em que há 31% de mulheres no mercado global, mas elas são apenas 25% do contingente empregado, é um deles).
Por isso Blue sugere que as empresas mudem políticas de contratação, ativamente quebrando padrões, e que as pessoas diversifiquem suas redes.
O executivo faz um mea culpa pelo LinkedIn, afirmando que a empresa recentemente passou a desenvolver mecanismos para atenuar o hermetismo das redes após concluir que, na plataforma, uma pessoa que mora em uma região afluente, estudou em uma boa escola e teve um emprego em uma empresa relevante tem 12 vezes mais chance de alcançar suas metas profissionais do que uma que não teve essas oportunidades.
“Se você está em um sistema de redes homogêneas, é mais difícil rompê-lo”, afirma.
“Uma engenheira de computação em nuvem no Brasil, por exemplo, onde só 5% de quem trabalha com computação em nuvem é mulher, terá dificuldade em construir uma rede na qual chegue até mim, por exemplo, que tenho uma rede predominantemente masculina, majoritariamente branca, nos EUA”, pondera.
“E se esse padrão não muda, se avançamos e o padrão de haver poucas mulheres se mantém, isso se perpetua.”
A empresa vem também trabalhando com prefeituras e outros governos e entidades pelo mundo para mapear problemas do tipo.
“Precisaremos corrigir essa deficiência no gargalo da formação e assegurar que as meninas escolham essas carreiras, que elas possam ver que há outras mulheres trabalhando nessas carreiras”, diz ele.
A própria lacuna, para o executivo, deveria funcionar como motor. “Quando falamos dessas habilidades em ascensão, não é sequer possível preencher todas as vagas sem considerar homens, mulheres, pessoas com trajetórias não convencionais, todos.”